quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vicent, O Líder dos Doze

A existência dá voltas. Uma vez estamos por cima, outra por baixo, mas o destino é inexorável e irá lhe achar, nem que o mundo tenha que ser destruído em pedaços.

Vicent era um garoto, alegre, puro, mas um dia as coisas iam mudar.

-- Mãe quero ir brincar com os outros meninos, posso? – a cara de santo destruía todas as fracas defesas da mãe que amava seu filho, e o via como um pequeno gênio, apesar de não entender muito o que isso significava.

-- Vá filho.—o menino já sai pela porta antes mesmo de escutar o resto – VOLTE PARA A JANTA!!!

-- CLARO! – o sorriso era radiante, e o pobre coração de mãe se derreteu, e voltou aos afazeres tão feliz quanto o menino.

Muitos anos foram belos, e cheios de alegria, Vincent brincava entre as crianças e conversava entre os adultos, sobre coisas que muitos anciões não ousariam comentar, e o menino desenvolvia de tal forma que a vila inteira o admirava.

-- Mas Sr Boules, é impossível pensar em magia, sem antes pensar na composição do cosmos ou quem são os deuses. Até mesmo a magia arcana está presa aos paradigmas de limitações criadas pela meio que ela está inserida.

Os senhores reunidos só ficavam cada vez mais chocados conforme a discussão prosseguia, e ninguém conseguia quebrar os argumentos do menino, que tinha só 7 anos.

-- Mas veja, Vincent, a magia divina é limitada pelo Deus que deu poder a seu clérigo para realizar os seus milagres. A magia arcana é livre... de forma alguma existem limites.

--Não estou falando de limites impostos, mas sim de limites naturais, intrínsecos. Onde a própria magia não pode superar.

O gosto pela argumentação e pela conversa, assim como pelas brincadeiras, travessuras e descobertas, era o que guiava a vida do menino. Mas um dia as coisas iriam mudar.

Existia uma pequena caverna perto de sua casa, ninguém lhe dera bola, nem os deuses, nem humanos, nem monstros, até insetos a ignoravam. Até mesmo a própria poeira e o próprio tempo decidiram ficar fora da caverna. E o menino a achara.



Uma força o puxou para dentro do espaço, algo que ele não compreendia o guiava. Depois de entrar na caverna nunca mais fora o mesmo. A caverna passara a ser sua vida. O menino só a via na cabeça. Amigos, família, tempo, brinquedos, livros, brincadeiras, nada se comparava a caverna, para ele a caverna era tudo e ao mesmo tempo a caverna estava vazia.

A força da caverna sobre Vicent era estranha, o chamava, o buscava. No fim, o menino mal comia, respirava ou vivia.

-- Vicent volte para o jantar. – avisa a mãe que em poucos meses ganhara uma bela cabeleira branca. O próprio filho lhe dava pesadelos, aqueles olhos que divagavam para o infinito a assustava.

-- Claro Dulce. – o menino não a chamava de mãe fazia o mesmo número de meses.

Os pés descalços correm pelos caminhos irregulares, mesmo com pedras afiadas não pisavam com menos convicção. Até mesmo se feridos continuavam do mesmo jeito. Acabavam por parar na frente de uma viela da vila, ninguém entrava nela nem pensava em olhar para ela, mas o menino corria para lá levado por seus pés incansáveis.

Aquela manha as coisas iam mudar, mas o menino não sabia, afinal mal pensava.

No meio da pequena caverna estava um buraco, claramente cavado a mão, as marcas de unhas e resquícios de sangue por toda a sua borda. Rapidamente os pés dirigem o menino para a borda do buraco e ele desce para o fundo.

Um sorriso brilha em seus lábios, mas é um sorriso louco, demente, sem verdadeira felicidade. Ele serve para mascarar a dor e o ódio que o menino sentia durante aquelas horas. O ódio era para a terra que o separava do seu objetivo, apesar dele nem saber que tinha um.

O sol começara a descer pelo horizonte quando o corpo para o trabalho maquinal. E o menino ganha a consciência que perdera a tantas semanas.

-- O que..... – uma dor terrível sobe os braços e o resto da pergunta é perdida no meio do grito de dor. Ao olhas para baixo o menino vê seus dedos em carne viva quase enxergando um osso ou outro. Mas o que realmente lhe chama a atenção não são os pedaços desfigurados de carne.

Entre as duas mãos marrons e vermelhas, estava um medalhão.



Entre ele tomar consciência do medalhão e o tremor foram alguns segundos. Um terremoto gigantesco assolava toda a região enquanto no céu uma grande nuvem negra se formava. Vicent olha para fora de sua caverna, se é que fora realmente ele que estava a cavar todos esses meses, e o que vê o marcou para toda a sua vida.

Em poucos minutos uma nova montanha apareceu no horizonte já marcado pela grande cadeia montanhosa que circundava o fértil platô onde a sua pequena vila estava.

Assustado tentou voltar para casa, mas uma forte barreira o prende dentro da caverna.

O medalhão, em suas mãos brilhava azul, e o tremor dentro da caverna parecia aumentar a cada segundo. Vincent sentia seu coração acelarar e mal percebeu quando, do medalhão, inscrições e desenhos se projetaram para sua mão, subindo em direção ao braço e ombro. Um idioma antigo, talvez até mais antigo que os próprios deuses... tomavam conta de todo seu corpo. Suas pupilas estavam dilatadas e um brilho da mesma cor do medalhão emanava de seus globos oculares.

A energia do local parecia se agitar e emanar em todas as direções. Os habitantes do vilarejo sentiram suas forças serem sugadas para fora de seus corpos e, do peito de cada um, surgiram pequenas esferas brilhantes que rumavam em direção ao céu e se uniam, dando forma a uma enorma esfera azulada. Semelhantemente, com os animais, insetos e plantas do local ocorreu o mesmo, apenas alimentando ainda mais a forma que flutuava acima de tudo.

Dentro da caverna, Vincent mal conseguia se segurar. O terremoto parecia aumentar e a gravidade parecia estar invertida. Os corpos de todos os cidadãos, animais, casas, árvores... tudo era atraído para a massa de energia. Montanhas se ergueram no processo, como se a natureza tentasse de alguma forma, cercar aquele tumor em forma de planalto. A esfera crescia... crescia... até que explodiu.

Não em forma de fogo e calor, mas como água e gelo. O vale foi alagado e a caverna de Vincent foi inundada. O corpo do garoto sugou a energia da água, junto com os litros que entravam por sua boca. Em defesa, seu cérebro fez com que desmaiasse.





Acordou dias depois... sob uma superfície gelada. Sobre o vale, havia se formado um enorme lago congelado. Toda a força vital da região havia sido sugada... e o garoto sentia tal energia dentro de si. Apenas uma pergunta passou por sua cabeça:





”O que foi que eu fiz...?”

Mas não fora o fim. Alguns dias depois, quase morto de fome Vincent finalmente consegue escapar do lago congelado para se descobrir preso pelas montanhas, apesar do cansaço e da fome seu corpo não pedia por descanso, sua marcha parecia interminável, mas sempre que se sentia prestes sucumbir de fome ou de frio uma força gigantesca o envolvia e dava forças para continuar.

Algumas semanas depois, o menino foi encontrado a beira de uma estrada. Na encosta da montanha.

 



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"Ashes To Ashes, Dust To Dust" 


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As montanhas olhavam para o menino e o menino olhava as montanhas. Ambos haviam mudado muito nas últimas semanas, não eram mais os mesmos, porém apenas o menino podia possuir remorso, dor e tristeza, e apenas ele estava perdido.

Mais alguns dias se passaram, Vicent andara muito em torno das montanhas, mas nunca voltara para a imensidão gelada, ela só o aterrorizava em sonhos. Sempre que escurecia, uma pequena menina vinha buscá-lo no lugar onde ele olhava para o Lago Congelado.



--Vicent, mamãe e papai estão chamando. – a pequena, de olhos verdes, cabelos loiros, vestida com roupas bem feitas, tinha um triste sorriso no rosto, como se compreendesse o pesar do menino mais velho. – Vamos – como sempre, fora ignorada. Vicent estava em seu mundo pessoal, era difícil de arrancá-lo para a realidade. Ela levemente puxou a manga da camisa feita de peles que o menino usava. – Vamos.

--Claro, Camie, claro. – a voz praticamente morta, quase inaudível saiu pelos lábios já ressecados.

-- Venha.—a menina, sem soltar a manga da camiseta, o levou pelo caminho pedregoso e incerto. Passaram por uma pequena floresta, que margeava o rio que havia recentemente surgido da imensidão gelada. Alguns disseram que as montanhas chorariam para sempre, em luto a tudo de belo que havia desaparecido.

Ambos sairam do outro lado da floresta, era fácil observar que a menina, menor que Vicent, deveria ter pelo menos nove verões. O menino de onze verões parecia semi vivo, o olhar morto e perdido no horizonte às vezes parava sobre os belos cachos loiros da menina, às vezes olhava para chão, perdido em pensamentos que a própria mente desconhecia, talvez um sentimento a muito perdido ou uma lembrança doce.

Uma pequena ponte de madeira os separava da vila que Vicent fora acolhido e onde Camie nascera. Apesar de pequena, se via a beleza construída com carinho e amor. As ruas até mesmo possuíam pedras, que levemente brancas iluminavam o caminho mesmo ao nascer da lua. A magia fazia parte do local, apesar de não haver nenhuma escola, praticamente todos os moradores eram hábeis mágicos, que utilizavam seus poderes de forma a melhorar a vida de todos.

Camie pronunciou algumas palavras enquanto andavam, mas, de tão tímidas e abafadas pelo próprio medo de dizê-las, nem mesmo ela escutou, quanto mais o menino, que perdia seu olhar na lua. A menina parou a frente de uma casa, dentro as luzes flutuavam e dançavam, comandadas por suas irmãs mais novas.

-- Linda a lua, não? 



Antes da menina poder responder, uma bela mulher saiu pela porta e puxou ambos para dentro.

-- Está ficando frio, venham. – Os cabelos eram da mesma cor que Camie, mesmos cachos, mesma cor de pele. A mãe da menina era o que um dia Camie seria, uma bela mãe, feliz, e invejada por todas as outras mulheres.

Se ao menos Vicent não tivesse entrado em suas vidas.

A noite era tão longa quanto o dia, pelo menos para Vincent, os pensamentos continuavam a persegui-lo, ocupando sua mente.

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--Mãe quero comer batatas hoje!

--Claro filho. Mas você terá que comprá-las na venda do Miguel.—Um grande sorriso branco surgiram nos lábios da afável mãe.

--Sim senhora.—responde Vicent que logo pega algumas moedas e corre para fora de casa, vendo o lindo céu azul, um céu só visto do topo das montanhas.

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Vicent sorriu de um jeito que ele nem lembrava direito. Apenas a lua e o Deus da Noite viram a doçura em seus lábios. Assim ele ia passando seus dias e suas noites, lembrando de seu passado destruído, apenas voltando para a realidade quando necessário.

Em uma tarde qualquer, alguns meses depois, Camie não apareceu na mesma hora de sempre. Mesmo em seu estado de semi-consciência algo gritou para ele correr. “Corra ou nunca mais a verá.” Suas pernas começaram a se mover em uma velocidade que nos últimos tempos só havia feito em lembranças.

A floresta voou na frente de seus olhos, enquanto seu corpo pulava raízes e se abaixava para fugir dos galhos. Muitos pássaros voaram na direção oposta e muitos animais passaram pelo seu caminho na mesma direção. O campo surgiu a sua frente, depois dele, a fumaça subia veloz aos céus.



Um grande número de pessoas corria para fora da cidade, que ardia em um fogo quase negro. Vicent viu o grande dragão que assolava a cidade, os olhos vermelhos brilhavam entre as colunas de fumaça que encobriam o céu. A sua frente, avistou Camie correndo e moveu-se desesperadamente em direção à ponte que a menina iria atravessar em poucos segundos.

-- VICENT!! VICENT!!! ME AJUDA!!! SOCORROOOOOO!!! --- a menina gritava assustada enquanto corria, mas o chão embebido em sangue queimado e corpos torrados tornava quase impossível fazê-lo com perícia. Ela acabou por tropeçar em um corpo carbonizado, seu pé destruiu a pele e a carne que eram apenas carvão, chegando ao osso que não havia se desfeito. Seu corpo continua, como se uma ausência de gravidade fosse impedi-la de parar, por alguns milésimos de segundo a expressão se torna espanto e volta a ser de desespero. Camie cai por sobre outro corpo, reconhece as feições desfiguradas de seu pai, que minutos antes havia saído para ver qual era a confusão na cidade.

-- PAIIIIII!!!! PAIII!!!!! – as lágrimas fluíam sem parar e não deixavam chance para o resto do corpo se mover, o choque a paralisou, seus últimos gritos chamaram a atenção do dragão, que voou de suas colunas de fumaça.

Grande e imponente, mais negro que o próprio céu sem estrelas, sua cor era manchada por sombras vermelhas, do sangue de suas vítimas. Suas asas eram cinzas, de um tom que predizia a desgraça e a miséria que ele levava a tudo e a todos.

Vicent correu ainda mais. Suas pernas gritaram de dor, seus músculos berraram por oxigênio, seu coração trabalhou o máximo que podia, mas nada pareceu adiantar. O menino ainda corria menos do que o dragão podia voar.

-- CAMIEEEE!!! CAMIEEE!!! VENHA!!! VENHA NA MINHA DIREÇÃO!!! CORRAAAAAAAAA!!!

A menina reagiu, porém fora tarde demais, os deuses queriam sua jovem alma para ocupar um lugar em seus planos. Uma mancha negra passou pelo campo de visão de Vicent e Camie desapareceu para sempre de sua vida. O dragão partiu, após comer seu último petisco, deixando uma cidade desolada e destruída.

-- DROGAAAA!!!! DROGAAAA!!! MALDITOOOO!!! FILHO DA PUTA!!! DESGRAÇADOOO!!! – Vicent socava o chão enquanto gritava e chorava, mais uma vez havia sido inútil, sem capacidade de proteger ninguém. Isso corroia sua alma. A dor de perder tudo novamente o acordou para um desejo.

-- Eu vou me tornar forte. Forte o suficiente ... – soluçava enquanto bradava para os deuses sua promessa. -- para conseguir ... proteger todos. – desabando em um profundo choro desesperado. O voto feito nessa tarde se tornaria o guia da vida de Vicent durante muitos anos.




Um sábio um dia disse que:

“Algumas convicções são tão fortes que o mundo deve mudar para acomodá-las”

Vicent o provaria certo, mais de uma vez.





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"Sobre Novos Caminhos"


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Os ombros se tornariam muralhas, as costas definidas pelo constante balançar das espadas, os braços fortes de tanto cortar e perfurar, os olhos profundos de cor azul, perdidos em pensamentos. Vicent mudaria, seria um guerreiro... um forte guerreiro.

A dor da perda o perseguira. Perdido em sua angústia e em seu medo de amar novamente, o menino ganhara a estrada. Dos escombros da vila destruída pelo Dragão retirara uma armadura, muito grande para ele, a qual adaptou tirando algumas peças, e um par de espadas. Uma delas era azul, sua lâmina parecia gelo, a outra negra. “Gelo e Morte” era o que o menino conhecia, mas logo conheceria o gosto do sangue, a dor pela luta, a fome e muitas coisas.



A vila queimada, destruída pelo fogo negro, fora deixada para traz junto com o resto de suas lágrimas. As mãos calejadas, quase em carne viva, delatavam as horas de trabalho árduo, nenhum corpo fora deixado sem sepultura. Alguns dias depois ele se encontraria com a realidade de um andarilho.

-- Olha chefe, o menino tem duas espadas e uma boa armadura.—o bandido era meio torto, sua cabeça não ficava alinhada com o corpo, como se tivesse levado uma pancada e nunca mais tivesse voltado para o lugar.

-- Sim, eu estou vendo seu cabeça mole.—o homem não era especialmente forte ou alto, mas era coberto de cicatrizes.

-- Saiam do meu caminho. – a voz saiu meio fraca.

-- Hahahaha. Chefe ele acha que pode passar. – o bandido se aproximou de Vicent, que estava parado no meio da estrada, cercado pela pequena trupe de bandidos. – Entenda pequeno, ESSA estrada é nossa. Você deve pagar um tributo para passar. – uma pausa enquanto as risadas dos outros capangas ecoavam — A armadura e as espadas são um pequeno preço por sua vida, não acha?

Vicent colocou as mãos sobre as espadas.

-- Vamos, me passe elas. – o estranho bandido torto sorriu e esticou as mãos.

-- Não dessa vez. – um olhar meio louco tomou o rosto do jovem que sacou as espadas arrancando fora ambos os braços do bandido a sua frente.

-- MERDA! ELE ARRANCOU OS BRAÇOS DO ROY! PEGUEM ELES, RAPAZES ! – O líder rapidamente sacou seu arco e junto com os outros tentou uma falha investida.

“Vamos meu garoto mate todos! TODOS merecem MORRER.” Só a insanidade falava a Vincent.

Como um deus da guerra e da loucura, o menino trucidou todos. O primeiro que se aproximara com uma espada curta nunca mais viu o mundo, Morte passou por suas retinas, o deixando caído no chão e se contorcendo. O segundo teve mais sorte em seu ataque, sua espada escorregou entre as placas da armadura improvisada e mordeu uma costela do menino, mas a retribuição foi rápida. Gelo mordeu a perna do bandido, seguida por Morte que se enfincou em seu coração. O sangue escorreu pela lamina até o punho que Vicent segurava.

-- Ele é forte!

-- Não se amedrontem! É APENAS UMA CRIANÇA! – uma flecha voou parando na armadura.

Os últimos três bandidos de pé olharam para o menino que avançava, sem medo, sem dor, sem hesitação. Eles tinham medo e perderam para ele. Talvez se tivessem atacados juntos, ou pelo menos não tivessem corrido desesperadamente, estariam vivos. Gelo e Morte tiraram a vida dos três, como preço por sua covardia.

“Muito BOM, ÓTIMO!”, a voz da insanidade congratulava Vicent.

A estrada ficou manchada de sangue, com quatro corpos e um inválido que nunca mais conseguiria falar ou ver. Vincent continuou sua jornada, procurando destruir tudo a sua frente. Em pouco tempo os boatos se espalharam. Um menino que, sozinho, havia destruído um acampamento Orc, ou o menino que havia sobrevivido às cavernas dos formians. O mundo começara a saber quem era Vincent, todos tremiam de medo.

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-- Meu jovem! Talvez você tenha uma moeda para um pobre herói de guerra? – o homem estava atirado ao barro. Sua barba por fazer, o que fora uma dia pernas jogadas a sua frente, secas e mortas.

-- Não. – um olhar perfurou o mendigo que estremeceu, se escondendo atrás de seus próprios braços.

Mais uma das cidades destruídas pelas guerras que assolavam todos os lugares. Sem países ou lei, as terras sofriam com a desgraça de nobres egoístas, que mandavam seus exércitos para batalhar por meros metros de terras. Apenas desculpas para haver sangue e morte.

O castelo subia imponente aos céus, a bela cor de suas pedras não era vista em nenhum outro lugar, o verde esmeralda, refletia a luz do sol. O menino, já guerreiro, andava entre as pessoas na região do mercado quando avistou uma pequena loja do outro lado da praça. A sua porta estavam o ferreiro e seu filho, um menino com menos de 10 verões, ambos eram arrastados por um grupo de soldados.

-- Vamos, ande logo, seu velho burro. – o brutamonte puxava o ferreiro, que já tinha cabelos brancos. Um grande bigode da mesma cor dava-lhe a expressão no rosto, suas sobrancelhas igualmente brancas ajudavam no olhar de desespero.

-- Mas eu não fiz nada! – ele lutava contra o puxão do soldado.

-- Não quero saber, nos mandaram te pegar e queimar a sua loja. VAMOS! Ande antes que eu fique irritado. – um dos soldados portava uma tocha, a qual ele alegremente balançava por sobre a cabeça do menino que lutava contra seus carrascos.

-- ME SOLTE!! ME SOLTE, SEU FILHO DE UMA PORCA COXA! – os olhos verdes brilhavam de raiva.

-- Cale a boca. – a cabeça do menino vira repentinamente e cai sobre o próprio peso, um filete de sangue sai de seus lábios, roxos e inchados. – Caramba, filho de uma puta, espero que não tenha morrido, vai ser difícil explicar para o capitão.

-- SEU CACHORRO!!! COMEDOR DE MERDA!!! LARGUEM O MEU FILHO!! – O velho se debate com mais fúria, porém não se liberta dos guardas.

Enquanto assistia a cena, uma inquietação tomou o coração de Vicent. A dor da perda, da fraqueza e da incapacidade de proteger seus amados saltou para sua boca, que ficou seca, seu coração começou a bater mais forte, o suor veio à pele e a solução para acalmar tais sentimentos foi intervir.

-- Deixem o menino ir, soltem o velho! – um olhar furioso dominava os olhos do jovem parado a frente dos soldados, as mãos estavam no punho de suas duas espadas. – Vamos! Eu estou esperando.

-- Quem você pensa que é?! Não ache que vamos nos curvar para um mero viajante! Um vagabundo que chega a nossa cidade! – o líder do grupo respondeu. No mesmo instante Gelo saio de sua bainha.

-- Não me obrigue a fazê-los largar. – Morte foi sacada em um movimento rápido demais para os outros a verem saindo da bainha, só a viram quando ela estava parada ao lado de seu dono.

-- Homens prendam esse vagabundo! -- o líder do grupo sorri friamente. -- Aqui existem leis, moleque! 

Os movimentos dos soldados pareciam estar em câmera lenta, Vincent rapidamente os desarmou, não precisou de muita força, não machucou nenhum dos quatro soldados que avançaram por sobre ele.

-- Não sou um vagabundo, senhor. – um olhar calmo fitou o sargento. – Desistam e saiam da minha frente. Já derramei sangue demais hoje. 

Finalmente o homem percebeu a armadura ensangüentada, de um vermelho estranho, quase preto. Notou o buraco na mesma, e o sangue, que, vermelho, dava cor a aquela parte da armadura. O jovem havia desarmado alguns dos melhores homens da guarda da cidade, estando machucado e semi-vivo!

-- Vamos! Estou esperando! – a inquietação começara a dominar a face de Vincent.

-- Seu bando de molengas! Ele está ferido! Como não conseguem prendê-lo?! 
Largando o velho e o menino, outros dois soldados se juntaram ao avanço, que novamente falhou. Todos desarmados novamente e comendo poeira.

-- Na próxima vez vou usar as espadas. – ambas estavam levemente manchadas das mesmas cores que a armadura, Gelo tinha uma grande trinca branca que passava por todo seu comprimento, Morte possuía uma trinca vermelha como sangue.

-- Capitão! – um dos soldados ainda estirado no chão grita, e aponta para Vicent. Finalmente notaram a grande linha de sangue que vertia de suas roupas. O sangue vermelho, límpido, escorria pelo fim de suas botas, o jovem estava morrendo.

Olhando em volta, o capitão viu a trilha de pegadas de sangue que a bota deixara, e algo passou por sua mente.

“Se esse filho da puta está sangrando tanto como podo enfrentar seis homens sozinho? E ainda sem ferir nenhum deles!”

-- Menino, você está sangrando, nos deixe levar o ferreiro e o filho dele e nada vai acontecer com você!

-- Não! – Naquele momento o soldado finalmente entendeu o olhar de Vicent, não era de raiva, mas dor. Uma dor que a maioria dos homens sucumbiria e não conseguiria lutar. – Vocês ... – A voz lhe falha.—Irão.... deixar eles ir, ou sucumbirão.... sob minha espada. 

-- Homens! Recuar! – uma estranha expressão havia tomado a face do líder do grupo. Vicent não sabia ao certo o que queria dizer, além do mais, a vista estava tão turva que mal enxergava seus adversários.

-- Mas...! – um soldado tentou protestar.

-- CALE A BOCA! Você segue ordens! LEVANTE-SE e vamos sair dessa rua! 

Assim que os soldados viraram uma esquina qualquer, humilhados pela derrota, o jovem foi ao chão, perdendo a consciência.






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