A medida que se aproximavam da fronteira, o sol se escondia sob o horizonte, até que o céu foi coberto pelo manto estrelado da noite. Por mais que o corpo do elfo sentisse estar próximo do meio-dia, no território dos Lómërin era sempre noite e a lua reinava soberana acima das florestas. Ao chegar próximo da borda da fronteira, os guardas se despediram:
--- Aen eizia cia byr maedasastyr, Nihallinael... Shai bondraes.
(É aqui que nos separamos, Nihallinael... Boa viagem)
--- Sal o... tae saesi eilar shi saer ail os var.
(Obrigado... que sempre haja árvores em vossos caminhos)
Os elfos acenaram e Nihal seguiu noite adentro, em direção à Hÿllinalkar, um vilarejo ribeirinho bastante próximo do limite entre as terras da noite, dos Kaërin e dos Ellärin. Recebera uma mensagem por um corvo alguns dias atrás... deveria encontrar o Lorde na aldeia o mais rápido possível. Não entendera os motivos, afinal Hÿllinalkar era um local feio, pequeno e sem o requinte que Varnilael tanto apreciava.
A poucas horas de marcha e já percebia as alterações no ambiente. Diferentemente das florestas dos Ellärins, a temperatura nos bosques da noite era menor e uma pequena camada de névoa era visível próxima ao solo. As árvores ali eram menores, com galhos mais finos e frágeis, abrigando um infinidade de espécies de animais noturnos, como corujas e morcegos. A fauna parecia mais traçoeira e perigosa, de modo que Nihallinael por vezes percebia estar sendo observado por pares de olhos ao longe.
Avistou, no terceiro dia, uma árvore de tronco largo a alguns metros de um riacho. Uma lua entalhada na madeira sinalizava a entrada para o vilarejo. Checou a segurança do objeto que carregava na mochila, se aproximou e assoviou duas vezes. Ouviu três silvos ao longe e respondeu com cinco mais longos. Um silêncio seguiu-se até que da copa da árvore desceram dois sentinelas, de um veado morto, outro se metamorfoseou e do riacho surgiram mais dois .
--- Aidaeloria osaer, malaes ! --- um dos sentinelas bradou com uma adaga em punhos.
(Identifique-se, estranho)
---Nihallinael, thys si Cyrantar thastolia, jhys’m shyraes. Ai eis caesi sai taer shor tia aeli…
(Nihallinael, da linhagem Cyrantar, irmão do Lorde. Venho encontrar com ele...)
--- Shaelysti sai os jhal, tia mos --- todos fazem uma pequena reverência ao visitante.
(Seja bem-vindo em nossas terras, meu Senhor)
Os homens acompanharam Nihal até o vilarejo, antes escondido pelo feitiço da floresta, que fazia vez de muralha e barreira contra invasores. Só era possível encontrá-lo com magia, ou caso os sentinelas assim permitissem. Foram recebidos por um elfo de mantos azulados que cobriam dos ombros até as canelas, deixando ver apenas um par de botas bem trabalhadas.
--- Shar pai shi cali caesi ?! Ais sar eil’s sor or eil kae are! --- o elfo disse animado.
(O que temos aqui ?! Se não é um elfo velho e viado!)
--- Eil ai mi eil aer sosaer os seil sai shi thelia !
(E eu vejo um elfo cansado de tentar ser engraçado !)
--- Nihal, jhyl sosti bai mi. Cyrn cali a shael ?
(Nihal, quanto tempo. Como andas ?)
--- Shaes... shaes.
(Bem… bem.)
Os dois elfos entrelaçam os punhos, se abraçando. Nihallinael pergunta:
--- Tyr o saji ti sai tia shyraes, Yontariel ?
(Pode me levar até meu irmão, Yontariel ?)
--- Vol byrn ! --- e, se voltando para os sentinelas, Yontariel diz --- Sal o, mos.
(É pra já! --------------------------------------------------------------------- Obrigado, senhores.)
Yontariel era um mago e leal amigo de Varnilael. Os dois haviam aprendido as artes arcanas com o mesmo mentor a algumas décadas e, desde então, tornaram-se inseparáveis. Quando o irmão de Nihal tornou-se Lorde, após a morte de seu pai, convocou Yontariel para fazer parte dos Lobos da Noite, a guarda pessoal do Lorde.
Com alguns sussuros e gestos arcanos, uma pequena cortina de ar os envolveu, arrastando folhas e poeira pelo local e, quando os dois se deram conta, já estavam em um local diferente. Um cômodo retangular, com duas portas, mas sem janelas e, no teto, uma abertura que permitia que os raios da lua iluminassem o ambiente. Algumas cadeiras, uma escrivaninha, algumas estantes e uma cama denunciavam o que parecia ser um quarto rústico. De onde materializou, não fosse sua visão noturna, seria difícil de perceber o homem sentado em uma cadeira e, ao seu lado, o enorme lobo branco que descansava a cabeça em sua perna. Ante a chegada dos dois, o homem se levantou, e cruzou punhos com Nihallinael, abraçando-o logo em seguida. Possuia feição semelhante às do irmão, talvez com um rosto mais delicado e traços mais finos... digno de um Lorde. Do lado esquerdo do rosto, usava uma máscara, cobrindo uma cicatriz proveniente de um ritual ao qual foi submetido quando criança.
--- Shyraes... jhyl sosti bai mi.
(Irmão... quanto tempo.)
--- Sael os, Varnilael...
(Dez anos, Varnilael...)
--- Ai eis kar o tasti shas... shi cali ei jhyr sai sar. Saer ti cyrn shar os bysi.
(Estou feliz que tenha retornado... temos muito a conversar. Conte-me como foram suas viagens.)
--- Ai cali thyl si shyl o cali vaezeraer...
(Eu encontrei o livro que me mandou procurar...)
--- Shaesi shar air ?
(Onde estava ?)
--- Thos, air shar ail Eä'Singer… sher air shar tylaer sai si Shys’Colys
(Primeiro, estava em Eä'Singer... mas foi movido para os Reinos da Fronteira)
--- Sar’m shia o cali taer Elandil ? --- o Lorde esboçou um risinho pelo canto da boca.
( Foi assim que encontrou com Elandil ?)
--- Or, si byrdaer cosaer eil eirarol sai cor ti eil vaeroli si shyl. Ci malaer ti.
(Sim, os nobres contrataram um assassino para me matar e recuperar o livro. Ele me salvou.)
Varnilael pareceu um tanto quanto desapontado, mas Nihal lhe entregou o livro de sua mala. Era um tomo de um palmo de grossura, uma capa de pele de animal bastante rústica e já judiada pelo tempo. Não trazia nenhuma inscrição que pudesse identificá-lo, mas só de tocar no material, era possivel perceber que tratavasse de um dos mais antigos livros já escritos... se não fosse o mais antigo.
--- Eisi o mesi sar shar’m shorael air sia, shyraes ?
(Tem certeza de que o que está escrito no livro é verdade, irmão ?)
--- Paerolonaraelia. Ais air’m sia sar Eä val shar ailardoraer...
(Absolutamente, Nihal. Se for verdade que o plano de Eä não era inabita...)
BOOOMMMM !!!, uma explosão ecoou por toda a floresta, seguido de gritos. Poucos segundos depois, das sombras que cobriam o cômodo, sete homens surgiram, juntamente com sete lobos, semelhantes ao lobo do Lorde.
--- Shar shar sar, Gallënrard ? --- Varnilael perguntou ao homem mais próximo que surgira.
(O que foi isso, Gallënrard ?)
--- Eil eiras, tia Jhys... Käerins.
(Um ataque, meu Lorde... Käerins)
--- Mor... cyrn por si cyrn shi shaesi caesi?
(Droga... como descobriram que estavamos aqui ?!)
--- Shi pyl’s cyrn… byrn air’s si sosti, mos… shi kyrae saki o orae caesi.
(Não sabemos... mas agora não é hora, senhor... temos que tirá-lo daqui.)
Dois dos guardas se aproximaram do Lorde, realizaram gestos arcanos e desenharam um círculo com tinta no chão. Antes do teleporte se completar, Varnilael gritou:
--- Yontariel... saji tasi os tia shyraes !
(Yontariel... cuide de meu irmão !)
O elfo acenou com a cabeça, sacando seu cajado --- Pai o mor cyrn cyrn sai thol, Nihal ?
(Ainda sabe lutar, Nihal ?)
--- O pyl’s aelael aistandroli, or tal... --- disse sacando uma cimitarra e um cajado e seguindo o mago para fora da construção.
(Você nem imagina, velhote...)
Nihal se assustou com a quantidade dos invasores. A vila estava em caos... era pequena e, por mais que estivesse localizada nas proximidades da fronteira com o território dos Käerins, não estava preparada para um ataque daquele tamanho. Ele e Yontariel trocaram golpes e magias contra um grupo que, assim que sairam da casa, o atacaram. Os inimigos eram habilidosos, mas o mago conjurou uma magia em Nihal, aumentando sua agilidade. O cajado e a cimitarra do elfo realizavam arcos rápidos, cortando e machucando os invasores que tombavam a cada ataque do guerreiro. Antes de sair em viagem, Nihallinael sempre fora um ótimo lutador... mas, agora que tinha viajado por Eä, aprendera a ser letal. Havia aperfeiçoado o combate da cimitarra e cajado, tornando-se um dos melhores em tal arte.
Estavam para terminar o confronto, quando Yontariel caiu vítima de um golpe na perna de uma elfa, que parecia ser a líder do grupo. Porte de guerreira, carregava uma espada estranha, banhada de sangue, cabelos ruivos e negros e uma pele de tom roxo avermelhado. Possuia uma voz rouca e firme que dava arrepios:
--- Ais Ai shaesi o, Ai shyr’s mae ail os shae... vaeror.
(Se eu fosse vocês, eu não ficaria no nosso caminho... lindinhos.)
Nihal paralizado com a presença da mulher, mal percebeu a pancada que recebeu na cabeça do elfo a suas costas... Caiu desmaiado aos pés da elfa.
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