sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Vida, A Morte e Eä

O mundo estava quase pronto, existiam montanhas, lagos, rios, mas nenhuma vida o habitava. Ehlonna impacientemente queria transformar seus sonhos em realidade, as árvores, os animais, a beleza das flores, a incontável diversidade que habitava seu coração. Mas ela não conseguia trazer à vida todas essas coisas, e então se recolhera a um pequeno plano que criara para si. 

-- Por que não consigo? Por que não posso trazer os meus filhos para o mundo? O que impede a minha força criadora de agir? 

 

A bela elfa com lágrimas nos olhos se sentou em um canto qualquer, abraçando seus joelhos delicados. Então de seu lamento veio o conhecimento. Nesse lugar cada deus só poderia ter uma atribuição, o deus do tempo já mencionara antes. 

‘-- Que mau humor senhor dos mortos que andam. Ou deveria chamá-lo apenas de senhor dos mortos? 

Ele sabia que Nerul era muito mais do que o deus dos mortos, existiam muitos subtítulos para todos os deuses que vieram a essa Criação, mas a muito tempo que Nerul não falava em nada mais do que a morte, e Pelor só de seus belos sóis, e ela mesma só da natureza. Agora Ehlona entendia, ela era a deusa da natureza, nada mais, nada menos, não poderia dar vida, apenas cuidar dela depois que se tornasse realidade. 

Todos os deuses haviam tomado uma parte de sua personalidade e transformado-a na sua única grandiosa capacidade, e para tal sacrificaram todo o resto. 

-- Vejo que choras, minha doce flor! – O sorriso não deixou os lábios de Omnitheron, ultimamente era a única expressão a ser vista. – Claro, claro! Você chora, pois não tem filhas e filhos para cuidar, você deve estar com a “síndrome do ninho abandonado”. – uma leve pausa – Vamos, não me olhe com esse olhar raivoso, ó grande mãe da natureza. Tenho a solução para suas aflições. – Uma linda mulher entrou no cômodo, a primeira vista tinha uma estufada barriga, algo que muitos julgariam ser gordura excessiva. Mas após olhar suas coxas, seus antebraços e seu tronco veriam claramente que ela estava grávida. 

-- Não traga suas concubinas para o meu plano. – um olhar praticamente perfura a testa de Omnitheron, que sorriu com a resposta dada pela mulher que acabara de entrar. 

 

-- Se sou concubina de alguém, sou sua. – o olhar calmo e pacífico de Livynien a deixava mais linda, uma mãe prestes a dar a luz possui muitos encantos. 

-- Não sejas tola! Nunca te vi! – a expressão de desprezo dominou a face da deusa – E mesmo se a conhecesse não chegaria perto de você. 

-- Calma minha cara. – O deus se divertia, mas segurava o riso debochado aprisionado dentro de seu cérebro. – Você realmente a engravidou, mas não foi da maneira convencional. – A pausa dramática rendeu frutos, Ehlonna se mostrou completamente perdida e paralisada pela descoberta.—As suas idéias a tornaram mãe e tais idéias vão florescer hoje. 

-- COMO? NÃO SEI DO QUE ESTÁ FALANDO! DE ONDE TIROU TAMANHA ASNEIRA? DE ONDE VEM A SUA LOUCURA?—o Deus do Tempo não se segurou mais e começou a rir desesperadamente. 

- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA 

Caio ao chão se contorcendo em sua felicidade. Só após um tempo se recompôs, levantou e voltou a conversar. 

-- Essa é Livynien, a nossa Deusa da Vida, só ela pode dar vida a nossas idéias. – o maroto sorriso avisava que ainda havia mais por vir.—Ela é a ÚNICA nesse lugar que pode dar vida, se acostume com a Idéia. É exatamente como você imagina, cada deus só pode ter uma atribuição, dessa forma, eu sou APENAS o deus do TEMPO, você APENAS a deusa da NATUREZA, assim como Pelor do SOL e Nerul da MORTE. – O deus falava com muita veemência deixando claro que já sabia disso antes de virem para essa dimensão, a diversão nunca acabava. 

Ehlona ainda estava juntando os fragmentos em sua mente, ponderando a quanto tempo não pensava em mais nada além de suas plantas e animais. 

-- Mas como poderíamos manipular o mundo? Eu não poderia apenas ‘subjugar’ a NATUREZA? 

-- Cada coisa ao seu tempo, primeiramente temos que arranjar um bom lugar para um esplendoroso parto! Afinal, nada ganha vida sem um sacrifício de algo. 

Os deuses se reuniram no plano da deusa da vida, o parto não foi o que os humanos ou seres vivos chamariam de “parto” e obviamente não poderia ser. Não nos convém descrevê-lo, mas no fim Eä floresceu em verde. 

 

-- Veja mãe da Natureza! Os seus filhos ocuparam o mundo que todos se ocuparam em fazer! – Livynien sorriou junto com a outra deusa. 

-- A felicidade é grande demais para ficar apenas para mim. – Ehlonna cantou. Cantou como milhares de animais que agora habitavam Eä, nenhum Deus jamais teve tantas vozes ao mesmo tempo, e a melodia tomou a Criação e muitos outros planetas também receberam os filhos de Ehlonna. 

No fim da canção Livynien estava novamente grávida e todos os deuses mais uma vez comemoraram. 

Cada um veio ao seu tempo, primeiro os Elfos acordaram sobre um cobertor de estrelas destinados a amar a noite. O deus que sonhara com a sua vinda muito ficou feliz, e comemorou o nascimento de seus filhos. Altos e esbeltos, de grande longevidade, demonstraram grande inteligência e capacidade de aprender, poucos foram, dos primeiros Elfos, que não fizeram grandes feitos, também demonstraram amor à natureza, quase tão grande quanto Ehlonna. 

Os Anões nasceram sem ver o sol ou as estrelas, o seu criador era arrogante demais para deixar Pelor roubar seus filhos. Pernas fortes e resistentes, uma pele que em muitos parecia mais com uma couraça de pedra, apenas amaciada para permitir o amor entre os da mesma raça. 

-- Eles viverão em cavernas, até que algo os chame para viver em outro lugar! Mas nunca viverão sobre o sol, não sem se sentirem incompletos. Um teto de pedra sempre lhes cobrirá a cabeça! -- Até nos dias de hoje é difícil achar um Anão que não viva com uma grande quantidade de pedra por sobre suas cabeças. Viveram centenas de anos antes de achar a saída para o mundo de céu, sol e estrelas, em seus escritos alguns dizem ter sido o fim dos tempos áureos da raça, o dia que o céu foi achado é conhecido entre muitos da raça como um dia de pesar. 

 

Existia um deus que nunca se pronunciava. O olhar maldoso vigiava a obra dos outros, e às copiava, corrompendo-as. Poucas idéias esse deus tinha, e todas eram para destruir algo que fora construído por outros. A água virou gelo e lodo, o fogo lava destrutiva, as belas colinas em gigantescas montanhas instransponíveis, as árvores pacíficas de Ehlonna se tornaram carnívoras, e seus animais em monstros, assim como Elfos viraram Orcs e muitas outras aberrações nasceram da imaginação desse deus. Seu nome era Ith e a tudo ele profanou. 

 

Porém como vida só poderia vir de Livynien, dela vieram os monstros e os seres para aterrorizar os filhos dos outros deuses. Depois a Deusa muito adoeceu. 

-- Vemos que a Deusa da Vida está quase sem a própria vida! – Omnitheron se divertia com as ironias e inconveniências do próprio tempo. – Creio que Ith matará a nossa amada deusa antes mesmo de podermos terminar a nossa laboriosa obra! 

-- Cale-se. – Ehlonna estava ao lado da deusa adoentada, que parecia estar realmente perdendo sua vida. Podiam ver seus ossos, faltava-lhe carne e a cor fugia-lhe. – Em vez de brincar, ajude-a. 

-- Não minha amiga, deixe que fale, não existe mentiras nas palavras do tempo. – a própria voz da deusa era fraca. – Mas não vou deixar esse universo antes que os meus últimos filhos venham ao mundo. 

Os humanos não estavam completamente prontos, a “gestação” da deusa demorara mais do que o de costume e a mãe dos homens sofria ao lado da deusa adoecida. Ninguém notou, no entanto os Deuses dos Anões, Elfos e Humanos também estavam doentes, em alguns pontos suas peles escureciam e grandes manchas negras surgiam. 

Durante um bom tempo todos tiveram a certeza que a morte de Livynien era iminente, mas muitas coisas ainda viriam a ser geradas antes da deusa desistir de sua vida. Finalmente os humanos nasceram, a ambição e a criatividade se mostraram suas características mais fortes. Mesmo com seu pouco tempo de vida, todos sonhavam com a grandeza e auto-superação. Levantaram castelos, muralhas e muitas grandes edificações, criaram sistemas de governos, a filosofia, a sociologia e os estudos da natureza. O seu tempo era curto e todos queriam deixar uma marca, mesmo se depois fossem esquecidos. 

Logo após nasceram os Dragões, seres de incomparável inteligência e poder, também possuidores de uma grande afeição por metais e pedras preciosas. Um deus de aparência real, adornado por jóias, portando uma bela espada em sua cintura, alto e forte, parecendo um humano com feições reptilianas, falou aos outros deuses de sua preocupação. 

-- Meus caros, meus filhos inteligentes e poderosos não viverão muito bem com os seus frágeis e tolos. 

 

-- Que isso não seja um problema, meu caro! – o Deus do Tempo se divertia com o orgulhoso deus. – Vamos fazer um lugar para prendê-los, até que os outros filhos possam enfrentá-los! E você então verá que humanos, elfos e anões não são tão fracos quanto você desejaria. 

-- Não fale asneiras! – o Deus dos Dragões adorava uma aposta – Então veremos quem irá ser o dono desse planeta, os meus filhos ou os fracos e tolos que vocês criaram! –um deus se esgueirou para a conversa. 

-- Vejo que o senhor do tempo quer uma aposta? Faremos todos então uma! – um sorriso estava camuflado nos lábios de Lucius, o Deus das Trocas. – O Deus que tiver o maior número de seguidores terá o direito de reformular o mundo, ao seu gosto, claro. 

-- Vejo que nosso amigo de chapéu sempre está no lugar certo para fazer os seus acordos e trocas. – O estranho senso de humor de Omnitheron quase sumiu. – Não me importaria de fazer tal acordo, mas eu estou fadado a perder, afinal o tempo é amado só pelos velhos perto de sua morte. 

-- Eu entrarei nessa aposta também. – o deus dos anões rapidamente interfere – meus filhos dominarão o mundo por suas entranhas de pedra e aço! 

-- Não ficarei fora dessa. Os humanos não se curvarão para dragões ou anões, a sua incrível ambição os guiará mais longe do que o poder de seus filhos. – disse a deusa matriarca dos humanos 

 

-- Não sejas tola, os elfos mostrarão a beleza de suas obras e a magnificência de suas escolhas perto da mortalidade de seus filhos. – o deus élfico rapidamente interveio. 

 

-- Calma , calma. Meus companheiros deuses e deusas, todos podem entrar na aposta, afinal todos queremos o máximo de nossos filhos. – sorrindo e tocando a aba de seu chapéu o deus dos acordos fechou o acordo. – Pronto. Não importa quem vencer, ele vai receber o poder de mudar o mundo, e todos deverão ajudá-lo. 

Uma grande ilha foi criada, e todos os dragões aprisionados dentro dela para que quando os outros filhos estivessem prontos, eles fossem liberados. A sua forma peculiar foi decidida pelo pai dos dragões que a queria como uma demonstração eterna de seu poder. Uma grande cabeça de dragão habitará para sempre o oceano. 

Com o passar do tempo as manchas na pele dos deuses ficaram maiores, e todos se sentiam fracos. A praga pegara quase todos. Pelor, Nerull, Omnitheron, Ehlona, Morgoth, Quen’are e Lucius eram os únicos deuses que não adoeceram, a força não os abandonara, mas não podiam fazer nada pelos outros. 

-- Livynien, o que posso fazer? – Ehlona ficava praticamente todo o seu tempo do lado da deusa da vida. 

-- Sorria minha amiga, a vida sem um sorriso é fútil e inútil. – o sorriso fraco e sem brilho ainda habitava os lábios da fragilizada deusa. 

-- Talvez alguma das minhas plantas poderia lhe ajudar! – o desespero pairava em seus olhos. 

-- Não sejas tola, eu dei vida a elas. Não poderiam me salvar de mim mesma. 

Um deus pode morrer, mas sua morte não é tão simples quanto a dos mortais. Tristemente os deuses são esquecidos, apagados das memórias de seus seguidores, que simplesmente irão acordar e nunca mais se lembrar de seus patronos tão amados, então sua fé os guia para algum outro lugar. 

Muitos anões se perderam quando seu amado pai morreu, dezenas de paladinos e sacerdotes esqueceram quem foram, em uma bela manhã durante o ciclo do sol verde do mundo. A dimensão do deus sucumbiu, sua energia foi dispersa no espaço, nada sobrou para contar a sua história, ninguém mais sabe o seu nome, assim como não sabem os nomes de todos os outros deuses que adoeceram e morreram dessa mesma doença. No fim, todos voltaram ao pó. 

-- Creio que mais um se foi. – nesses tempos difíceis até mesmo Omnitheron perdera seu humor. – Já não lembro o nome dele, uma pena. – os deuses esqueceram o nome dos seus companheiros assim como os seus fieis perderam a fé e a certeza que antes tinham. 

-- Não fique com essa cara, sorria meu amigo. – Livynien ainda deitada em uma cama sobrevivia bravamente à doença. 

-- Creio que até meu senso de humor se foi. Se perdeu junto com as minhas memórias. – um olhar triste dominava a expressão do deus que sentado ao lado da cama simplesmente deixava o tempo fluir. 

-- Já lhe disse Omni, siga o seu caminho e saia desse quarto amaldiçoado. Não precisamos que mais um deus caia para essa estranha doença. – Livynien demonstrava um carinho de mãe em relação aos outros deuses, que se perdiam em desespero. O esquecimento era o maior medo de todos. Sua compaixão pelo deus era demonstrada por um leve cafuné em seus cabelos, que um dia já foram negros e agora eram quase brancos, um cinza triste e melancólico. 

-- Fique feliz Livynien, a VIDA nunca morrerá. Ela existirá enquanto existir a morte, ela é interminável. 

 

Todos os seres vivos da criação gostariam que o Deus do Tempo estivesse certo. Que a Deusa sobrevivesse, contudo até ele pode se enganar. Livynien morreu, mas seu corpo não virou cinzas de imediato, durante séculos a Vida se esvaiu de seu corpo imóvel, que perdia pedaços conforme, sem piedade, o tempo passava, dando chance de existir nova vida no mundo.

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